Ando de rastos. Hoje, em particular, estou num daqueles dias em que só me apetece mergulhar numa banheira e ficar ali, a boiar, até que o resto das burocracias se resolvam sozinhas. Estou KO. E derreada das costas. Às vezes, (muitas vezes por sinal), penso que isto de ter decidido começar um negócio próprio foi só assim uma grande besteira (tal como a maioria das coisas que optamos por fazer na vida). Espero que o negócio - e a minha capacidade de administrá-lo - perdurem o suficiente no tempo para eu poder olhar para trás e dizer: "que bela ideia que eu tive". Agora, entre o caos e a loucura não tenho discernimento para perceber se fiz bem ou se fiz mal.
Porque é que eu comecei um negócio próprio? A melhor resposta que eu vos posso dar é porque nunca me esqueci disso. É verdade. Nunca consegui colocar de lado a ideia de ser dona do meu nariz. Sempre quis poder fazê-lo. Era um grande "SE" na minha vida. E depois de ter percebido que nem sempre temos o dia de amanhã, decidi arriscar. Isto da vida é um bocadinho como os primeiros carros, "se não for para partir, não tem tanta piada". Ou seja, um arranhãozito aqui, uma raspadela ali até dão a sua graça. A ironia das ironias é que isto de ser dona do meu nariz é uma ilusão. Sou dona do meu nariz, das minhas dívidas e das minhas contas para pagar (a parte mais dolorosa dos negócios).
De há uns anos para cá, quando eu vivia na capital e trabalhava de sol a sol, comecei a querer mais. Sim, mais! Comecei a querer mais tempo para mim e mais qualidade de vida. Comecei a revoltar-me muito contra o trabalho das 9H às 17H (o meu até era mais daqueles das 9H às 21H), comecei a pensar que não podia ter estudado tanto (piadas que se fazem sozinhas, só tenho uma licenciatura) para passar os meus dias agoniada num escritório. Tinha de haver mais. Tem de haver mais. Essa revolta foi crescendo, crescendo, crescendo e disseminou-se. Não foi um processo linear. Nunca é. Despedi-me, por vontade própria, da empresa onde já estava efectiva há 5 anos e decidi mudar de cidade. Uma espécie de começar de novo ainda sem saber muito bem o que queria. Como estas coisas nunca são claras - e a vida é sempre muito irónica naquila que destina para cada um de nós - acabei a trabalhar noutra empresa das 9H às 17H até que tive que pôr baixa, várias vezes, por causa de problemas de saúde muito graves. Um dia o patrão chamou-me, conhecendo de antemão a condição de saúde pela qual eu estava a passar e disse-me: "claro que a situação pela qual estás a passar é muito complicada, mas não é justo para os teus colegas que faltes tanto". Nenhum dos meus colegas era da minha área, fazia o trabalho que eu fazia ou dependia do meu trabalho para fazer o seu. Era até o contrário. Eu que tinha de aguardar que eles fizessem o deles para eu poder, depois, fazer o meu. Nesse dia, nessa hora, a minha decisão foi tomada. Interiormente, claro. Pensei: "EU NÃO QUERO MAIS ISTO! EU NÃO QUERO TRABALHAR MAIS PARA ESTAS PESSOAS NEM COM ESTAS PESSOAS! EU NÃO QUERO NUNCA MAIS NA VIDA ENTREGAR A RESPONSABILIDADE DO MEU SUSTENTO NAS MÃOS DE OUTRO". E foi aí que o que eu já queria ganhou ainda mais força.
Ao meu patrão, eu respondi que infelizmente ninguém consegue prever quando é que vai faltar e dado que o problema de saúde ainda não estava solucionado, era muito provavel que eu continuasse a faltar e que compreendia perfeitamente que ele quisesse outra pessoa "sem problemas". Na cabeça dele ficou tudo como "um acordo amigável", na minha cabeça ficou tudo como "um vai-te FODER caralho!". Estas maravilhas das leis, do código do trabalho, da inclusão das minorias, da integração de colaboradores com deficiência ou incapacidade são só uma grande TRETA. A discriminação continua a ser camuflada todos os dias por milhares de "acordos amigáveis". Então, aqui estou eu a tentar criar e concretizar a visão que eu tenho para a minha vida. Um trabalho que me satisfaça, me ponha pão na mesa e não me mate. Era só isto. Assim como assim uma pessoa já sabe que vai continuar a ser pobre, o que eu não quero é ser pobre e continuar a trabalhar o mesmo. Acho que vocês entenderam.
O que é que me aflige mais neste negócio que comecei agora? A quantidade de dinheiro que deito fora cada vez que tenho de pagar aos fornecedores. Nunca tive créditos e nunca tive grandes despesas. Não tenho casa própria (e muito provavelmente nunca terei), não tenho dívidas e não tenho filhos (que segundo consta também são uma grande despesa). A única compra mais avultada que fiz foi o carro e mesmo assim paguei-o a pronto pagamento (uma pechincha semi-nova), portanto, mexer em qualquer coisa que custe mais de 20,99€ exige-me todo um orçamento de Estado que leva dias até ser aprovado. Eu sou boa nalgumas áreas do negócio, em investimentos sou péssima. O risco para mim é sempre muito maior do que aquilo que parece ser. Também sou bastante boa a traçar os piores cenários. Não me considero uma pessoa pessimista, mas também não me podem chamar de optimista. Tenho sim uma grande capacidade de adaptação e um jeitinho natural para fazer do pouco muito. Só tenho isso. E fé. Não me resta mais nada. Não nos resta mais nada.