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O Sexo e a Periferia

Entre a Carrie Bradshaw e a Bridget Jones. Com muito menos glamour, é claro.

 

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Vamos falar de negócios? Bom, está a correr bem. "Estar a correr bem" nos tempos que vivemos acho que é uma grande sorte. Pelo menos há dinheiro para pagar despesas e ainda resta para comprar cerveja. (pobre fazendo pobrice). Não estou rica. Nem quero estar. (que chatice ter dinheiro para tudo, não é verdade?). Quero apenas pagar as minhas contas e sentir que não devo nada a ninguém. Nem dinheiro nem satisfações. Há dias em que me martirizo porque ainda não consigo ser tão disciplinada quanto desejaria (nos meus afazeres domésticos) assim como ainda não consigo ser tão dedicada ao trabalho quanto (imagino que) deveria ser. Vou fazendo. Vai rolando. E enquanto assim acontecer, talvez não valha a pena mexer muito. Como eu mudei... às vezes espanto-me comigo mesma. Quem é esta pessoa que está a viver no meu corpo?

 

Comecei a trabalhar neste projecto há 2 anos (embora o desejasse desde há 8). Os primeiros clientes chegaram há 7 meses. Foram fundamentais para dar o passo seguinte. Abri portas em plena pandemia. Há curiosidade, o que é bom. O conceito é diferente e o meio é pequeno. Ajuda bastante. Para mim que já estou a trabalhar nisto há 2 anos, o percurso tem sido positivo e coerente, mas sempre que alguém me pergunta: "e então, está a correr bem?" apetece-me responder torto. Como é que uma pessoa pode ter noção se está a correr bem ou se está a correr mal com as portas abertas há tão pouco tempo? É que vocês não imaginam a ansiedade que essa pergunta provoca e as campainhas que faz soar. Porque raio é que as pessoas aceleram tudo? Porque raio é que as pessoas esperam resultados rápidos, milagrosos e sem esforço? Porque raio é que as pessoas não se permitem e não permitem que os outros experimentem, errem e corrijam? Fico danada cada vez que alguém me pergunta isso porque detesto pressas. E porque acho que não faz sentido nem é conveniente. Pelo menos para já. 

 

Respondo sempre que sim, está a correr bem, e desconverso. É a verdade. Não estou a inventar. As coisas não estão a correr mal. Não quero ser como a maioria dos empresários aqui da zona - gente que já está no mercado há muitos anos e que efectivamente tem muito dinheiro - que responde sempre que as coisas estão péssimas. Não estão. Se as marcas deles estão de pé é porque obviamente as coisas não estão a correr mal. Quem é que eles querem tentar enganar? E porquê? O que eu sei é que eu não trabalho para enriquecer, como vocês já devem ter percebido. Eu trabalho para poder viver e é disso que eu nunca me quero esquecer. Aliás, que nenhum de nós se deve esquecer. Já me esqueci e não correu lá muito bem. Não me apetece nada repetir.

 

Outra das coisas que ouço como muita frequência e que me enerva bastante é o: "ah, então desististe de ser X para agora estares a fazer ISTO". Oh valha-me Nossa Senhora da Paciência. Eu não desisti de nada assim como não me comprometi com nada quando entrei na faculdade. Que mentes limitadas estas, aquelas que pensam que estudaste uma coisa e só podes fazer isso na vida. Chegam a ser muito desagradáveis quando enfatizam o "ISTO" ou quando dizem "estudaste tanto para agora estares AQUI". Elas não sabem, nem precisam saber, que eu sempre quis estar AQUI. E que para chegar AQUI eu tive que estudar muito mais do que aquilo que a universidade me ensinou. E ISTO que eu faço é tão válido como outra profissão qualquer. As pessoas quando não os têm no sítio, invejam muito quem os tem. Só podem invejar. Uma vizinha, que me conhece desde de criança, chegou mesmo a comentar: "ah, quem diria que os teus pais ainda te iam ver a fazer ISTO". Fiquei com muitas dúvidas em relação ao comentário, mas não me parecia um elogio. As pessoas vêem-me a atender clientes e acham estranho porque tenho um curso para estar sentada no escritório. E daí? 

 

E já que estamos numa de confissões sobre negócios, clientes e curiosos, irritam-me bastanteas pessoas que pedem uma "atençãozinha". Juro que me apetece dizer-lhes "não lhe basta a atenção que já lhe dei durante o tempo que aqui esteve?" Tenho a certeza que um dia vai sair, só espero que seja no mesmo tom piedoso com que eles fazem o pedido para não afugentar o gado da porta. Não me considero má pessoa, acho até que tenho muito boa vibe e tenho a certeza que consigo melhorar de forma qualitativa a vida dos meus clientes, mas eu chamo os bois pelos nomes, não sou de muitos rodeios e isso às vezes, esse estilo comunicacional mais assertivo, pode assustar as ovelhas do rebanho. 

As minhas aventuras pelo mundo das apps de encontros correram mal. Não foram catastróficas, mas também não foram o suficientemente boas para uma pessoa querer insistir muito. (bom, ainda estou inscrita numa, mas sem grandes esperanças). Inscrevi-me primeiro no Happn - que prefiro ao Tinder - por recomendação de uma amiga que por acaso, uma daquelas histórias que surgem em 20, acabou por juntar os trapinhos com uma pessoa que conheceu através aí mesmo. 

 

Fiz match com um tipo (aqui por estas bandas nunca aparecem muitos) e começámos a falar e para surpresa das surpresas até estava a correr bem. Bem o suficiente para desconfiar de tudo, inclusive da sorte. Fisicamente parecia um pouco envelhecido para a idade que dizia ter, (normalmente quem lá anda mente muito), mas como ele dizia que um dos seus hobbies era cuidar da pequena horta biológica que tinha construído em casa, as rugas podia muito bem ser do execesso de exposição solar. Para além disso, era designer, o que me encheu um bocado as medidas. Deduzi que fosse uma pessoa criativa e que gostasse de briefings e brainstormings. Comecei a interessar-me razoavelmente. Acho que caí de quatro (ainda mal a procissão ia no adro) quando a criatura disse que não gostava de sair à noite. Prefeira o quê? Ora usufruir das noites de Verão deitando-se na relva a observar estrelas. A esta altura do campeonato a minha imaginação já estava a 1000. Bónus extra: adorava cozinhar e coleccionava vinhos. Pode pedir-se mais? Bom, honestamente, a um homem que cozinha não se pode pedir muito mais a não ser que não nos engorde e que se orientasse na cama (só para não estragar o arranjo, claro).

 

Fomos falando até que ele sugeriu que passássemos para o whatsapp dando o seu contacto. Estava tudo a seguir os trâmites legais, inclusive, no dia seguinte, depois de falarmos à noite, mandava sempre mensagem de bom dia. Estava a começar a ficar enternecida com a criatura. À partida parecia de facto alguém que valia a pena conhecer melhor. Sucede que um dia ele me perguntou porque é que eu tinha deixado a grande cidade, a capital, e me tinha mudado para o cu de judas quando aparentemente tudo me corria bem, emprego fixo, namorado, casa, etc. Eu, imbuída do espírito "quero começar do zero" e "não quero repetir os erros do passado" achei - como acho sempre - que devia ser honesta e contar a verdade. Então lá le expliquei que tinha chegado àquela fase da vida em que os adultos nos garantem que se tiveres um emprego fixo, um companheiro, uma casa, um carro e mais não sei o quê és feliz, só que isso não tinha acontecido comigo. Apesar de ter essas coisas todas sentia-me profundamente infeliz e sem rumo e a visão assustadora de se conseguir aquilo que se quer e não se ser feliz começou a dar-me cabo da cuca ao ponto de ter recorrido a ajuda psiquiátrica e à psicoterapia. Não dramatizei demasiado a coisa, não partilhei pormenores obscenos, mas fui bastante directa e comentei que ainda era medicada (na altura). Contei ainda que depois disso tudo ter acontecido, tinha adoecido gravemente (outra doença que se veio a diagnosticar mais tarde e que nada tem haver com estados psicológicos) e que a principal razão pela qual tinha voltado a casa dos meus pais era para ter ajuda na minha recuperação.

 

Fiquei um bocado apreensiva, confesso. Não é fácil abrir-me com os outros em relação ao que me aconteceu. Nessa altura então sentia-me um alien , a única coisa que desejava era que alguém me visse para além da doença e das limitações e me fizesse esquecer tudo o que não me deixava dormir à noite. Nem que fosse por um quarto de hora. Não aconteceu. O rapaz esfumou-se. Desapareceu e não deixou rasto. (bom, ele continua a aparecer-me na aplicação volta e meia, mas nunca mais me disse nada desde essa conversa). Claro que podem ter acontecido centenas de coisas, mas é muito estranho que tenha deixado de falar depois de lhe ter contado o que contei... Não consigo não dissassociar uma coisa da outra. Senti-me péssima. Um farrapo. Contudo, ainda bem que se cortou o mal pela raíz e não houve mais desenvolvimentos. Também, o que é que eu esperava?

 

Bom, qualquer coisa semelhante à história da minha amiga. Esta coisa das pessoas e dos sentimentos serem uma coisa descartável faz-me sempre confusão. Não gosto muito das apps por isso e porque nunca poderão substituir o presencial. Divirto-me a passear-me por lá, parecem um menu de um restaurante, mas assusto-me a cada nova interacção que ocorre. Fico um bocadinho menos crente na humanidade. E nos homens.

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Pois é meus amigos, adivinhem lá?! Isso mesmo... Continuo solteira! Solteiríssima. Confesso que começo a entrar numa zona em que sinceramente, olhem, quem não quer ningúem agora sou eu. Estou um bocado farta disto. (seja lá o que isto for). Estou farta de não estar farta de alguém. Talvez seja isso. Não há ninguém interessante, não aparece ninguém interessante e não sei onde vou descobrir alguém interessante. Às vezes eu própria não me sinto interessante e quanto mais tempo passo solteira, mais vezes essa ideia parva me passa pela cabeça. As aplicações não funcionaram, o resto (muito limitado por causa do Covid) não funcionou, nada funcionou, nada está a funcionar. Vou esquecer o assunto. Passo a escrever sobre o quê? Culinária?! Lo que sera, sera.

 

Tenho algumas amigas que se estão a divorciar agora ou que se divorciaram recentemente, (é o que dá a malta começar cedo demais), e optaram por curtir a fossa pela via do degredo. (nem vos conto). Mudaram radicalmente a sua postura, uma coisa que me faz muita espécie honestamente. Começaram a postar muitas fotos nas redes sociais, (a sensualizar, claro), assim como muitas frases (aquelas indirectas que são a primeira pista de que não estão tão bem como querem fazer parecer). Não é muito a minha praia se é que me entendem. As minhas fossas, quando as tenho, gosto muito de as curar em casa, recolhida no meu sofrimento. Essa coisa de curar a ferida de cão com pêlo de outro cão não é para mim. Aliás, não me parece que seja para ninguém porque o resultado pode acabar por ser, na maioira das vezes, bem pior. Quando a pessoa está carente, só faz merda. Os lutos fazem parte do crescimento. Não me parece que seja assim muito boa ideia passar por cima deles ou evitá-los. 

 

Outro dia, falava com uma colega do ginásio (instituição aonde eu não tenho ido ultimamente e convinha voltar pensar no assunto seriamente) sobre o luto. Ela, divorciada há 3 anos, reclamava do mesmo que eu: "onde é que estão os homens interessantes"? Senti-me um pouco mais amparada, afinal existem mais mulheres a passar pelo mesmo e a sentir o mesmo. Tamo juntas!  É importante reiniciar novas relações depois do luto, mais não seja para quebrar com o passado e pôr um ponto e vírgula nesse capítulo da nossa história, mas onde é que eles andam? Esses homens que supostamente se deveriam estar a divorciar agora das primeiras mulheres para pinar connosco?! Não sei! Vocês sabem? Acontece que ela, com um pouco mais de 40 e eu, com um pouco mais de 30, (lol), somos da velha guarda, gostamos daquele engate foleiro, convencional, protocolar e disso já não há muito.

 

O que é que há? Olhem, dezenas de miúdos, (que não se pode chamar outra coisa a estes exemplares), que ainda há bem pouco tempo aprenderam a fazer xixi no penico e agora enviam dick pics como convite para um programinha. Nunca me aconteceu, confesso, mas às minhas amigas sim. E a vocês? Valha-nos Nossa Senhora da Sensatez, isso é normal? Não me parece nada normal. Assim como não me parece nada normal que te perguntem, numa aplicação, depois do nome, donde és e o que fazes, se gostas de sexo. À partida toda a gente gosta, eu gosto muito, mas não é por isso que vou marcar um encontro com a primeira pessoa que me mostrar a pila, certo? Desisto. Estou velha demais para isto meus caros. 

 

Vou comprar um gato e reformar-me.

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Alguém viu?

 

Passou na RTP1 no passado Domingo. Chorei baba e ranho. Ainda hoje choro quando me recordo do filme. Nesse dia, de manhã, fui à missa. (Sim, é verdade, esta que vos escreve é católica e tem-se esforçado para ser mais praticante, porque no fundo não entendo bem esse conceito de "católico não praticante". Parece-me uma desculpa esfarrapada para quem não tem tintins para assumir a sua própria fé). Pensei que seria uma missa normal como acontece habitualmente todos os Domingos, mas não. Era dia de Profissão de Fé. A igreja estava a abarrotar de famílias e criancinhas. Fiquei de pé durante a cerimónia inteira. Ainda me tentei colar a uma família, sentando-me sorrateiramente no banco que lhes estava reservado, mas eles olharam para mim com o sobrolho levantado e eu saltei fora. Vá lá que fui de ténis, para destoar um bocadinho da malta que alinhou nos saltos de 5 cms e depois parecia um playmobil a andar. 

 

Abateu-se-me sobre mim uma coisa esquisita. Lembrei-me de quando tinha a idade daqueles putos. Do que então se passou desde essa altura. Das voltas que a vida deu. Do que eu tinha projectado e daquilo que eu realmente fiz. Do que se sofreu meanwhile. E lembrei-me de como tenho quase a idade dos pais deles e não os tenho a eles. Como já vos disse, convivo bem com isso, mas uma pessoa, agora mais do que nunca, pergunta-se se estará a fazer o que é certo ou a perder uma das melhores partes da vida. Será isto o relógio biológico? Ou o peso na consciência? Eu sei lá. Os percursos que nós trilhamos são diferentes de pessoa para pessoa, mas a grande maioria das que estão à minha volta coincidem umas com as outras em algum ponto do caminho e eu não. É estranho. E não é. Não devo ser a única a debater-me com estas coisas.

 

Depois de um almoço de família muito pouco familiar, (nenhuma festa na casa dos meus pais é verdadeiramente uma festa), levo com o filme. Ficou a ecoar na minha cabeça. E no meu coração. Estou naqueles dias, mas mesmo que não estivesse tenho a certeza que choraria. Senti tudo. As dores daqueles pais. Quem não sentiria? E as dores daquele filho que nos ressuscita as memórias dos tempos em que muitos de nós se sentiram, tal como ele, verdadeiros ETs. Às vezes ainda me sinto. Mais vezes do aquilo que vocês possam pensar. Apesar de todo o sofrimento que o filme (tele)transporta, a história também nos recorda todos amigos bons que se atravessaram na nossa vida. Todas as pessoas que nos trouxeram o bem ou que nos inspiraram a fazer o bem. E todas aquelas que antes de o fazer, fizeram exactamente o contrário. A mensagem é muito bonita. Se há algum remédio eficaz contra as dores de crescimento, esse remédio só pode ser o amor. When given the choice between being right or being kind, choose kind" . Quem não viu, que veja. E arranje lenços para limpar o nariz.

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