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O Sexo e a Periferia

Entre a Carrie Bradshaw e a Bridget Jones. Com muito menos glamour, é claro.

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Hoje resolvi escrever-vos sobre uma amiga. Alguém que entrou na minha vida nos últimos tempos e que tal como eu está a atravessar um deserto. Juntas a travessia tem sido bastante mais divertida, embora não saibamos a sua distância concreta. Tem dias em que parece pelo menos mais leve. É uma sorte, não deixa de ser, encontrar alguém que está no mesmo timing do que nós. Parece mais fácil consegui-lo com amigos do que propriamente com amantes. Aproximámo-nos quando ela puxou um assunto que me era dificil e eu deitei tudo pra fora. Ela podia ter fugido. As pessoas têm o hábito de. Ela ficou. E assim, apoiadas nas nossas dores, a gente tem rido quando é possível. 

 

Os processos de regeneração são uma prova de resistência. A pessoa acha que vai sucumbir umas 300 vezes até perceber que afinal é mesmo assim: aguentar, calar e tentar não enlouquecer. Os processos de regeneração entram em cena depois dos lutos ou em simultâneo com os lutos. Não são fáceis, mas supõe-se ou espera-se que nos façam crescer. O que é que nós fazemos com aquilo que aprendemos é que me parece suspeito. Há dias em que duvido muito da aplicação de tanto conhecimento. Será que serve mesmo para alguma coisa? Será que contribui efectivamente para fazermos melhores escolhas? Para tomarmos melhores decisões? Para sabermos o que queremos? 

 

Essa minha amiga - que é a mesma a quem "A pessoa", a tal pessoa, enviou mensagens - divorciou-se há uns 3 anos embora o casamento já tivesse terminado há muito. Um casamento daqueles com direito a tudo. Desde então tem conhecido muita gente sobretudo através das redes sociais. Até se entende, o meio é pequeno, a informação circula rápido: há mais uma disponível no mercado. Acho até que existem homens que vêem nessas situações um certo oportunismo, "está carente, logo deve ser fácil". Não podiam estar mais errados. A carência está lá. Está sempre. Mas a dor também. Ninguém muito despedaçado vai saltar para outra relação de corpo inteiro. Falamos imenso sobre as pessoas que estamos a conhecer. Bom, que ela está a conhecer. Quanto a mim vocês já sabem... 

 

Outro dia, ela apercebeu-se de uma coisa que fazia com os amigos mais próximos. Mantém-nos sempre por perto, mas na realidade não avança a sério com nenhum. Sempre que os vê a fazerem progressos com outras pessoas, contra ataca. Pede satisfações, faz barulho, reclama e depois larga de novo. Ela sabe-o. E tem vergonha de. Tentei fazê-la perceber que a carência estava a desorganizá-la e que ela tinha de parar com isso. Não há pior coisa do que dar com uma mão e tirar com a outra. De repente, ela perguntou-me: "mas se eles gostam mesmo de mim porque é que eles não lutam, não ficam e não me dão provas?" Oh, mulher! ninguém fica onde sente que não é desejado. Regra básica. Todos sabemos muito bem quando nos querem e melhor ainda quando não. Acho muito perigoso quando alguém pensa assim, embora todos nós já tenhamos pensado assim. No fim de contas andamos todos despedaçados a embater uns nos outros à espera que alguém nos salve. 

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Há uma coisa sobre a qual não falámos... Tenho evitado pensar no assunto, mas não consigo. Há muito tempo que eu queria ir à ginecologista. Quando "A pessoa" apareceu e o cenário pa-re-ci-a auspicioso, eu decidi marcar consulta. No fundo, no fundo, eu queria lá ir porque tinha um monte de perguntas para fazer. "A pessoa" foi só um pretexto para tentar perceber - desde que adoeci - em que pé é que as "coisas" tinham ficado. "Coisas" = a possibilidade de engravidar. Eu não fui lá porque conheci uma pessoa nova e pensei "é agora, bora lá procriar que o prazo está a terminar!", eu fui lá porque precisava perceber que contraceptivo seria o mais indicado para mim atendendo aos vários problemas de saúde que tenho... e indo, perceber o resto.

 

Eu nunca pensei em ser mãe. Nunca me vi nesse papel. Quando era mais nova sempre me vi no papel de big boss, dona de uma empresa ou assim. Era isso que me excitava. Os negócios, a carreira, o mundo. Aliás tive um namoro que ficou assassinado quando, numa conversa banal, o meu namorado me perguntou se eu queria ser mãe e lhe respondi que não. Na verdade, não queria. Naquele momento, naquela situação. Acho que ele nunca soube que foi o primeiro homem com quem eu pensei constituir família, no entanto, a relação era tão má e ele era tão tóxico que meter filhos ao barulho seria só a pior coisa que nos podia ter acontecido. Não era p'ra ser. Quando adoeci e começou a desenhar-se no horizonte a possibilidade disso não ser mais uma possibilidade, fui obrigada a pensar no tema. Durante muito tempo foi um não assunto. Assumi que não, que não era possível, mas na verdade nunca esclareci a dúvida até que a coloquei à ginecologista depois de lhe ter contado todo o meu historial clínico. Como eu nunca tentei engravidar, nenhuma de nós pode afirmar se seria possível ou não, agora sendo possível seria MUITO desaconselhado porque colocaria em risco a minha própria vida e é só um bocado estranho alguém querer ter um filho arriscando-se a morrer, certo? Caramba, porque é que a minha vida nunca pode ser fácil? É muito mais simples ser outro a dizer que sim ou que não, ter de ser eu a arrumar isso numa gaveta é bem mais complicado.

 

Às vezes pergunto-me se queria mesmo ser mãe? Eu acho que sempre quis, mas nunca o assumi. Gosto da liberdade que tenho, sobretudo a financeira, o não depender de ninguém e o não ter ninguém que dependa de mim. É mais leve, mas também é mais triste. Chegar a casa e ela estar vazia tem-me agoniado bastante nos últimos anos. Talvez seja a "pressão social" mas eu nunca fui pessoa de me incomodar muito com isso. O que me aperta o peito é o vazio, a sensação de fim, os meus pais a envelhecerem e eu, à deriva, sozinha neste mundo. É como se não houvesse mais nada quando desaparecem os nossos, não consigo explicar melhor. A big boss e as ameneties desse mundo não me interessassem mais. Tenho amigas que decidiram ser mães solteiras, mas a minha vontade não é suficientemente grande para isso. Eu gostava de ter um filho com alguém com quem valesse a pena ter um filho. Como não há essa pessoa também não me preciso preocupar com o assunto, mas não o consigo esquecer. Ainda está fresco. Super fresco.

 

É dificil desconectar-me disso tudo - das informações extra - quando estou a conhecer alguém. Sempre foi díficil na verdade. Mesmo que a pessoa seja empática, mesmo que a pessoa me deixe confortável, mesmo que a pessoa me diga está tudo bem, o meu cérebro vai pregar-me sempre alguma partida. "Nunca serás a mulher ideal para ninguém por causa de todos os 50 mil problemas que tens". Estou a recomeçar e nem sempre sei como comportar-me. Nem sempre consigo relaxar. Nem sempre consigo desligar-me. E acho que é disso que eu tenho mais saudades, de desligar-me. Dos problemas, das informações, dos pesos. E infelizmente quando nós não nos conseguimos desligar por inteiro, é bom que o outro não se desligue de nós (se tiver obviamente vontade de ficar). Estou carente, tenho de admiti-lo. Passei os últimos anos da minha vida a lamber feridas sozinha. Quero colo, não quero mais nada senão isso. Quero alguém que me abrace com a força suficiente para eu sentir que o único sítio onde estou é entre os braços dessa pessoa. É disso que eu estou à espera. De um momento em que eu me esqueça de tudo.

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Eu bem disse que uma pessoa mai nova tem tudo o que uma pessoa mai nova tem: a graça e a falta de experiência. Onde é que a falta de experiência se manifesta essencialmente? Na forma como se dá a volta às questões e como se leva a àgua ao moinho. A pessoa mai nova repetiu o esquema trágico-cómico com uma amiga minha: adicionou-a e meteu-se com ela e ela enviou o printAh, ainda dizem que a internet não é boa! E continuou a responder-me de uma maneira árida. O que é que uma pessoa mai velha - mas a caminho de ficar toda boa - faz? Ri-se. E sai para os copos com a amiga. End of story. Obrigada universo por mais este teste. Passei com um 3, não foi? 

 

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Começo a fartar-me. Outro dia li que com a idade nos tornávamos mais tolerantes. Não sei se é bem tolerância. Acho que é mais vontade de não nos chatearmos. Não compramos tantas brigas até porque estamos mais focados nas coisas que são realmente importantes para nós. Tornamo-nos mais práticos isso sim. O resto é barulho. As coisas estão mornas quase frias depois de terem estado pré-aquecidas. Ele responde às mensagens, envia, pede desculpa quando não responde, faz likes nas fotos e reage a stories, mas a linguagem mudou. Não é querido como já foi, não tenta nada, não sugere nada, só mantém a conversa de circunstância. Conversa essa que já me está a mexer com os nervos. Não sou boa, nunca fui, na conversa de circunstância. É muito claro que houve um distanciamento, que está fechado em copas, mas não é claro que haja um corte e eu sou um bocado de extremos nestas coisas. Não sei comportar-me quando me colocam em becos apertados. Quem é que sabe? Tenho a sensação que estou em trigésimo quarto plano na vida dele. Desde o inicio. Não o entendo e nunca estive metida numa coisa assim. Uma coisa que aparentemente não é nada. Se houvesse uma rasteira da parte dele ainda podia dar para puxar a conversa, mas o que é que eu lhe ia perguntar?"Então pah, é esse o teu plano para conhecer alguém?" Se calhar é. Continuo a achar que ele não é má pessoa, mas se calhar não é tão bem intencionado como pensei que fosse. Sentir que estamos em trigésimo quarto plano na vida de alguém que disse que nos queria conhecer, criar uma amizade sólida e ver no que podia dar, não é assim fantástico, pois não? 

 

O que é que esta experiência trouxe de bom à minha vida (depois de tanto tempo solteira): a sensação de que estava outra vez no mercado! Comprei lingerie nova, fiz a depilação integral, até voltei a usar cuecas fio dental! Foi libertador! AH AH AH. Riam-se à vontade com as desventuras da minha vida. Ao menos servem para alguma coisa. E sim, eu estava a pensar que ia mesmo rolar. Não aconteceu. Às vezes, quando me leio, pergunto-me se não serei eu que estou a vestir a pele de cordeiro? Sei lá, será que os homens percebem que os estamos a usar para nos fazerem bem ao ego? Não nos usamos todos uns aos outros? Acho que sou um bom partido e foi bom lembrar-me disso, ainda que seja frustante ter alguém a tentar uma aproximação e depois recuar. É que se fosse só sexo, "A pessoa" tentava mais do que uma vez, certo? É tudo muito confuso. Ou não tem nada de confuso e eu é que não percebo. Lá estou eu, outra vez, a polarizar as coisas nos extremos. Não posso focar-me demasiado nisto e esquecer-me do resto. Não fiz nada de errado e se tivesse feito esperava que mo tivessem dito. Às vezes temos apenas de aceitar que uma aproximação não significa nada e voltar à nossa vidinha. Acho que esta experiência me ajudou também, por um lado, a sentir-me mais normal. Mais mulher. Mais catchy-catchy. Mais não-tão-séria. Se calhar o mundo não vai acabar por levar um corte, ou dois, ou três seguidos, pois não?Fico de rastos confesso. Mexe-me um bocado com as entranhas, mas os relacionamentos são mesmo assim, não são? Wish me luck.

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