Está tudo vivo? Sobreviveram ao Natal? Quem não sobreviveu que mande aí um uivo sff. Já regressaram ao trabalho? Quantos presentes é que vão trocar? Conseguiram dar cabo das reuniões familiares ou alguém vos roubou o protagonismo este ano? Ah ah ah ah. Eu sei, eu sei o que é que vocês estão todos a pensar: "há uma razão para ela estar sozinha!" Várias até. E todas legítimas. Querem saber como foi o meu Natal? Não querem, mas eu conto na mesma. Sinto que vocês estão a precisar de divertir-se!
Sucede que a minha mãe decidiu - sem consultar ninguém como é seu apanágio - que o jantar do dia 24 seria lá em casa. O ideal para mim é comemorar a 25. Acho que há mais tempo para tudo. Os convidados seriam: eu (até quando não se sabe) e os padrinhos da minha irmã (novo personagem na trama: uma irmã emigrada de quem nunca falo). Os padrinhos da minha irmã são primos afastados dos meus pais. Resulta que eu também sou madrinha do filho do irmão da madrinha da minha irmã, primo dos meus pais. Até aqui, tudo a acompanhar? O puto já tem 25 anos, cresceu na capital e voltou agora para a terrinha. Vive com os tios - os padrinhos da minha irmã - porque a casa do pai está em obras. Até ao dito dia 24 a criatura chateou-me todos os dias para eu lhe dizer onde é que ia jantar, ao que eu respondi: "mas há opções?" Infelizmente ninguém na minha família aprecia o meu humor. Disse-lhe que ia jantar com os meus pais e ele disse que apesar de ter sido convidado, não ia porque não queria deixar o pai sozinho (o pai não quis vir ao jantar). Uma cena marada as usual. Disse-lhe que tinha pena, mas que ele não perdia grande coisa e que compreendia a sua decisão. De um ponto de vista prático - e na minha perspectiva - esta divisão por várias casinhas podia ter sido evitada se o jantar tivesse acontecido em casa dos padrinhos da minha irmã. Ou eles não se chegaram à frente ou a minha mãe foi irredutível. Desde que me lembro de ser gente que foi sempre a minha mãe a decidir onde passaríamos o Natal e com quem. O mais estranho é que a família - quer de um lado, quer do outro - é gigante. Todos se juntavam, menos nós. Nunca percebi as razões dessa decisão, mas sempre lamentei o facto de não poder passar o Natal com os meus tios e com os meus primos. Hoje em dia não tenho contacto com quase ninguém porque os meus pais escolheram não ter contacto quase ninguém.
Hora do jantar, o meu afilhado entra pela porta dentro. Decidiu que não queria ficar sozinho com o pai. Não percebi, mas também não fiz perguntas. Suspeito que talvez não houvesse comida em casa. Antes do jantar, quando ainda ninguém tinha chegado, aproveitei para pedir à minha mãe o carro dela emprestado. Tenho uns amigos que vem passar o fim de ano comigo. Não vamos estar juntos no dia 31 porque eles têm um evento, mas vamos estar juntos antes e depois. Ao fim de dois nano segundos, ela perguntou o que eu já esperava que ela perguntasse: "não achas melhor eles dormirem cá?". A minha mãe sempre fez isso com TODOS os meus amigos e sempre me irritou muito. Nunca soube separar as águas e nunca soube respeitar a minha privacidade e a minha vida. Os meus amigos têm de ser sempre divididos com ela. Ela tem de ser sempre o centro das atenções. Para a minha mãe os meus amigos têm de dormir lá, comer lá, cagar lá para depois de se irem embora, ela poder dizer que deram imenso trabalho e que lhe levaram fortunas. Respondi calma e serenamente que: "não havia necessidade". Incomodada, disse: "não precisas responder assim". "Eu estou simplesmente a responder à tua pergunta". Para a minha mãe tudo são ataques furtivos nesta vida, especialmente as minhas respostas às suas perguntas. O problema é que eu estou a ficar muuuuuito cansaaaaadaaaaa de ter de pedir desculpa por ser eu. De ter de me encolher para encaixar. De ter de me esforçar por ser sempre a que dá o primeiro passo. Estou cansada. Nunca me senti tão cansada a esse nível como me sinto agora. Não sei se tem haver com a aproximação aos 40, mas sinto que não tenho mais elasticidade para esse tipo de gincana mental.
Jantámos e quando o jantar acabou - bem antes da meia noite - ajudei a limpar a mesa. Quando terminei, vesti o casaco e coloquei o gorro. Ela perguntou: "para onde é que vais?" e eu respondi: "para casa". Senti que o cérebro dela estava a fazer curto circuito, mas não disse nada. Despedi-me do meu pai que também me perguntou o mesmo. Até ao Natal deste ano, eu sempre dormi lá em casa. Este ano, não. Lição do ano passado aprendida. Ouvi uma psicóloga comentar nas redes que devíamos limitar o tempo que passamos com os nossos se os nossos não nos fazem bem. O Natal não deve ser excepção. Acho que faz muito sentido. No fundo espero estar a educá-los (sem grandes esperanças obviamente). Claro que me senti mal. Anos e anos e anos de coação emocional, de toxicidade e de autoritarismo familiar não desaparecem assim que saltamos para dentro do carro, mas a verdade é que acho que foi o que devia ser feito. O ano passado fiquei dilacerada. O que me chateia é que ninguém na minha família vê isso com bons olhos. Não compreendem, por um lado, que essa atitude não invalida gostar deles e não aceitam, por outro, que os descendentes as tomem. O afecto deles, em particular o da minha mãe, sempre foi uma coisa doentia e infantil assente em joguinhos e trocas de favores. Estou cansada de fazer o que eles querem - e o que eles não querem - e o resultado ser sempre o mesmo.
Às vezes sinto que a minha família não se esforça muito por me conhecer. Ou por me aceitar. Qualquer das duas opções me serviria. Eu não sou propriamente uma pessoa com uma história regular. Quando namorava o meu ex e estava sozinha em Lisboa porque me tinha calhado trabalhar no 24, ele fez questão de me abandonar. Sim, abandonar é a palavra certa. E quando lhe liguei a perguntar como é que era o plano de Natal, se ele ia aparecer, se me vinha buscar, ele disse que eu não contasse com isso porque não lhe apetecia estar comigo. Eu sei. Eu sei qual é a pergunta que vocês todos se estão a fazer. A resposta é não. Eu não terminei com ele nesse momento... mas demos obviamente um passo gigantesco em direcção ao abismo. Portanto, eu já ouvi as piores coisas que se podem ouvir - isto é só um aperitivo - das pessoas de quem nunca se espera ouvir. Então o Natal que vale para mim é basicamente aquele que escolhemos praticar o ano inteiro.
Para animar ainda mais a consoada, a minha mãe decidiu oferecer-me uns brincos e um colar - depois de já me ter dado dinheiro - e antes de mos dar disse: "isto é para ti, mas eu sei que tu não gostas!" Qualquer um de vocês ganharia uma úlcera gástrica se fosse filho da minha mãe. Respondi: "então se sabes que não gosto porque é que compraste?" ao que ela respondeu: "para teres qualquer coisa para abrir". Para a mim mãe seria fantástico que eu ainda tivesse 4 anos, mas são quase 40. A amabilidade dela derrete corações. Obviamente que eu odiei os brincos e o colar. Estão embrulhados prontos a ser reciclados. Quando o meu afilhado se foi embora, disse-me "amanhã falamos, combinamos qualquer coisa, tomar café ou assim" e eu disse: "está bem". Ele não disse nada, eu não disse nada. É assim que funciono agora. Querem, mexam-se, digam alguma coisa, façam sinais de fumo. Hoje de manhã enviou-me uma mensagem a cobrar: "então, não disseste nada ontem" Apeteceu-me mandá-lo para o caralho, mas como madrinha, guia de luz da criatura na vida terrena, não posso fazê-lo. Nem às mensagens de Natal eu respondi. Nem presentes eu comprei. Nem vontade para falar eu tenho.
A única mensagem à qual respondi foi a do mocinho. Mandou um simples "Feliz Natal". Também não se podia esperar mais, né? Até achei querido. Respondi para não ser mal educada, mas rematei com um "beijinhos" para parecer ocupada e o assunto acabar ali. Pareceu-me que ele queria conversa, deixou passar uns minutos e voltou a perguntar "está tudo bem?" e eu só respondi "sim" e ele disse "ainda bem" e depois calou-se. Tem sido esta a profunidade das nossas conversas ultimamente. I rest my case. Nada mais há a fazer. Agora assim de repente esta história toda não parece a feira popular, sorry! Vamos pensar que isto está naquele ponto em que quem não gostava da personagem principal, está agora loucamente apaixonado por ela. Estão, não estão?