Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O Sexo e a Periferia

Entre a Carrie Bradshaw e a Bridget Jones. Com muito menos glamour, é claro.

Tomei várias decisões recentemente. Uma delas agora mesmo. Hoje. Acabei de entrar no facebook do R. e cliquei no botão "Não seguir". Foi um impulso. ENOUGH IS ENOUGH. Sinto-me cansada. Não posso continuar a dar força ao meu lado "lunar". Ele seguiu em frente, não seguiu? Então vamos (tentar) virar mesmo a página. Várias pessoas sugeriram-me fazer isso e eu achei que devia realmente dar ouvidos àquilo que me estavam a dizer (coisa que não é costume). Também estou cansada de ser teimosa (e comecei a ver Baby Reindeer, o que pode ter-me influenciado). Porque não experimentar um defeito diferente em vez deste? Não quero sentir-me uma stalker, mas acima de tudo não quero ter esta sensação da vida a passar-me à frente do nariz. 

 

Começo a ver mudanças, minúsculas - tiny tiny - mas importantes. Estou a descer um pouco o muro, pedrinha a pedrinha. Depois de um Janeiro bem introspectivo, prometi à mim mesma que ia tentar zerar o meu karma... Honestamente, não sei se aguento voltar noutra reencarnação, portanto vou portar-me bem para ver se esta é suficiente. Sinto que estou a abandonar velhos padrões e fantasias que sempre me impediram de viver a realidade. As relações não são perfeitas, mas se eu continuar a não pedir desculpa e a não dizer como me sinto e simplesmente a fugir, elas nunca serão. Experimentei fazê-lo com uma amiga com quem não estava em bons termos. Ensaiei o discurso em casa e quando a vi, toquei no assunto. Superei as minhas dificuldades e para meu espanto (que estou pouco à vontade nestas coisas), correu tão bem ou melhor do que o que eu tinha imaginado. Pedi-lhe desculpa por tê-la feito sentir-se mal quando eu é que não tinha estado bem. Fi-la sentir-se horrível porque me sentia péssima e não podia de forma alguma permitir que ela continuasse a acreditar que era uma má pessoa por aquilo que me tinha feito. Eu não estava zangada com ela, estava zangada com um série de pessoas, inclusive comigo e culpei-a a ela num momento de desespero e de raiva quando na verdade, o que ela fez, representava um gafanhoto. Faz parte do caminho assumir as nossas culpas e eu tenho algumas.

 

Se eu o R. tivermos obviamente que nos cruzar porque o gajo que escreve o guião achou que sim, isso há-de acontecer. E quando acontecer, logo se vê. Quando nos conhecemos, eu não lhe disse o meu apelido nem lhe dei o meu facebook. Dei-lhe apenas o contacto telefónico e disse-lhe que não ia responder se ele enviasse mensagens. Disse-lhe também que se ele me encontrasse, pagava-lhe um café. Levo-o no melhor sítio onde pode estar: no meu coração, mas preciso muito de seguir porque isto está a corroer-me e  cansar-me.

Algumas pessoas (as poucas com quem ainda vou mantendo algum tipo de relação) sugerem-me várias vezes terapia. Acho que se tornou um bocadinho moda sugerir terapia. Não sou contra, claro que não. Já recorri mais do que uma vez e foi obviamente a melhor decisão que tomei. No entanto, não me apetece voltar a sentar-me num sofá e resumir / recapitular a minha vida. Até porque isso é o que todos nós fazemos diariamente, uns mais do que outros. A terapia é de facto muito higiénica. Paga-se a alguém para nos ouvir debitar em voz alta uma série de coisas que normalmente não dizemos a ninguém e que ficam ali sepultadas até encontrarmos outro espaço para as armazenarmos. A parte invisivel da terapia - e necessária - é o luto e a dor. As coisas que doem têm de doer e é por isso que são insuportáveis. Em teoria, dizem, depois de doerem, nós crescemos e evoluímos. A escrita sempre foi uma das minhas terapias. Sempre me ajudou a deitar para fora coisas que me custam a assumir. A verbalizar. Tomei um banho e sentei-me na cama com o portátil.

 

Tenho uma bruta ressaca. Sim, o vinho também pode ser outra das soluções. Tive um jantar com amigas - o primeiro de 2025 - e ao contrário do que eu esperava foi extremamente terapêutico (apesar das dores de cabeça). Foram partilhadas coisas muito importantes e honestas (acho que foi um dos primeiros jantares em que conhecemos um pouco da vida uma das outras sem máscaras). Vidas muito diferentes cheias de desejos muito semelhantes. O normal em mim seria ter recusado ir ao jantar. Ando deprimida (como vocês sabem) e negativa. Em ebulição por dentro. Afastei-me de muita gente, reduzi as interacções sociais e restringi muitas pessoas nas minhas redes. A questão é que eu não sei se isso é efectivamente a solução porque conduzir-me-á a uma coisa que não me pode acontecer: ficar ainda mais sozinha. Então arrastei-me, apareci e valeu muito a pena porque trouxe ferramentas para casa comigo. 

 

Comecei a pensar porque é que me fechei tanto ao longo da vida? Porque provavelmente em alguns momentos determinantes da minha evolução as pessoas desfizeram-me em bocadinhos. Já contei alguns deles aqui. E depois de me sentir desfeita, fiz o que seria expectável, fechei-me para me proteger. O primeiro rapaz com quem tive relações sexuais dizer-me que não gostava de mim (só de fazer sexo). O meu primeiro namorado - com quem eu imaginava que iria viver um conto de fadas para sempre - dizer que não queria ficar comigo. Os ghostings, as traições, as atitudes de várias pessoas que nunca se justificaram. O último namorado e a relação de terror que vivi com ele. O estado delicado e intermitente em que vivi vários anos sem saber se continuaria aqui. As perguntas indiscretas das pessoas. Tudo o que me destruiu me fechou. Há poucas coisas que me tenham partido e aberto, mas existem. Lembro-me de duas pessoas, talvez três, que embora me tenham partido, obrigaram-me a desfazer alguns muros. Libertaram-me. E não só libertaram-me como também me permitiram ver-me de verdade. Quem eu escondo que sou. Agora que estou a ficar "maior" é importante para mim ser quem eu sou (porque acho e sinto que nunca o fui totalmente). Que nunca me vivi. Essas pessoas deram-me uma coisa importante: deram-me a oportunidade de perceber que sendo eu, eu também consigo e posso ser feliz (se calhar mais feliz até). Porque é que me é tão dificil acreditar nisso?

 

O R. foi - até agora - a pessoa mais diferente que eu já conheci. Em tudo. À medida que o fui conhecendo, na minha cabeça iam sendo criadas listas de prós e contras e o mais incrivel, assim bem incrivel, é que apesar dos contras serem bem mais do que os prós nessa tal lista que eu inventei, qualquer um dos prós era suficiente para fazer dele uma boa pessoa... mesmo assim, nada me impediu de responder - sempre que ele me perguntou se tinha saudades suas - que não. Olhem o que eu ganhei com isso. Valeu muito a pena guardá-lo só para mim. Então agora tem de doer porque é a parte em que tem de doer. Simples assim. 

 

Arranjei-lhe inúmeros defeitos. "É uma criança""O filho é tão pequenino", "Nunca terá dinheiro para viajar comigo", "Nem um televisor ele conseguiu comprar", "Só come porcarias", ""Deve andar à procura de uma mãezinha", Sabe lá o que é a vida". Se calhar sabe. E se calhar não é tão grave assim comer porcarias quando não tem tempo para cozinhar porque está demasiado ocupado a trabalhar para conseguir comprar o televisor. Se calhar é mesmo uma criança que cresceu sozinha e é natural que precise de amor como todos nós precisamos. Talvez o amor seja sobre dar. Talvez o amor que damos seja o que os outros podem levar para sempre com eles. Talvez seja isso que (n)os salva. Talvez seja isso que nos faz ficar.

 

Acho que agora vocês já percebem porque é que estou sozinha. Ou porque é que as minhas relações nunca foram muito saudáveis. Nunca tinha tomado consciência deste mecanismo, desta forma de funcionar, mesmo com a terapia toda que fiz. Foi ele. Foi o R. Por isso, se calhar, tinha mesmo que o conhecer. Tinha que passar por isto. Ver escancarada na minha cara, mesmo à frente dos meus olhos, a vida que eu queria estar a viver. Se calhar eu tinha que descobrir um vírus activo. Se calhar eu tinha mesmo que levar um puxão de orelhas para acordar. As coisas acabam todas muito rápido. Inclusive nós também. Se vou ter capacidade para fazer diferente? Não sei, não posso garantir. O que eu sei é que se queremos resultados diferentes, deveríamos actuar de formas diferentes (se as mesmas já não estiverem a funcionar e as minhas claramente não estão). Nos últimos anos, a vida empurrou-me bem para a beira do precipicio. Foi-me pondo desconfortável, dando e tirando e agora percebo porquê. Não há nada na minha vida de que eu me possa queixar, a não ser um vazio grande e esse vazio chama-se aquilo que eu quero. Talvez esteja bem na hora de eu começar a dizer às pessoas o que realmente sinto e o que realmente desejo. As pessoas não se medem em listas, muito menos o amor. Levem isso convosco. 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2021
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D

Posts mais comentados

Em destaque no SAPO Blogs
pub