Ando cansada, mas isso não é novidade, certo? Um cansaço meio que permanente. A médica culpa a tiróide. Disse - com todas as letras - que eu nunca seria uma pessoa "eufórica" como a Ivete Sangalo (essa parte fui eu que inventei). A tiróide cumpre com os mínimos, a mais não é obrigada. Recomendou-me, para outra coisa, a toma de ácido fólico. Explicou-me que me ajudaria a criar glóbulos vermelhos saudáveis e fortes (dado que os meus níveis de hemoglobina são sempre pobrezinhos). Segui o seu conselho. Acho-a competente. Mais do que competente, parece-me sensata, interessada, actualizada. Sinto-me ouvida. Disse-me - há uns anos, quando pedi a sua opinião profissional - que não achava boa ideia eu considerar a hipótese de ser mãe. Primeiro, não sabemos se eu conseguiria sequer engravidar dado todo o meu histórico clínico (nunca tentei) e segundo, conseguindo, não sabemos os riscos que isso pode trazer-me. E claro, depois vêm os argumentos da idade, da genética familiar, do peso a mais e da doença em remissão aos quais se juntam as circunstâncias: a inexistência do progenitor coadjuvante. O milagre da procriação só me parece razoável em família. Portanto, no daddy, no baby. Contudo, a vasta equipa de profissionais de medicina que me acompanha regularmente - são muitos - não partilha toda da mesma opinião. O médico de família, a endocrinologista e um dos oncologistas não consideram a hipótese um risco, mas quando temos receio... é o não que prevalece, certo? A ginecologista e a imuno-hematologista não são a favor. Não perguntei a mais ninguém porque estes já me baralham o suficiente.
Acham que eu penso muito nisso? Na hipótese - ou impossibilidade - de ser mãe? Ultimamente sim. Sobretudo desde que adoeci. Tenho mais consciência do tempo a passar e sinto-me também mais sozinha do que nunca. O que são as nossas vidas sem ninguém nelas? Acho que também penso mais nisso agora por causa do R. O filho dele comemorou recentemente o primeiro aniversário e claro, as fotos em família - com a nova namorada e os filhos da nova namorada - saltaram cá para fora. Fico muito feliz por ele estar com alguém que lhe pode dar uma família, mas não deixa de ser um bocadinho merdoso pensar que podia ser eu a pessoa ao lado dele naquelas fotografias. Se calhar nunca vou ter fotografias assim... e eu gostava mesmo muito de ter. Ele desistiu demasiado cedo de mim e eu assustei-me horrores com a bagagem que ele trazia. E que bagagem! O médico de família chamou-me para fazer o rastreio do cancro do colo do útero e dei positivo para o vírus do HPV. Que óptimas notícias, #not. Ele tranquilizou-me, o estudo realizado deu positivo para o vírus activo, mas negativo para alterações celulares. Disse-me também que o protocolo é repetir daqui a um ano. Ora, a única pessoa com quem calhou ter uma relação sexual desprotegida - há quase um ano atrás - foi com o R., portanto pode que seja essa a herança que ele me deixou. Não me apetecia nada morrer agora. Não me dava muito jeito, mas se tiver que ser, que não fosse por causa de um homem. Não era isso que eu que eu queria que resumisse a minha vida. F#d@u pouco e deu-se mal. É uma merda.
Na altura em que estivemos juntos, ele percebeu que o meu grande receio era uma gravidez indesejada (se bem que nesta idade e dadas as circunstâncias eu não sei mais o que é indesejado ou não e não serei a única mulher a ter essa dúvida). Fui honesta. Contei-lhe que isso era um assunto muito cinzento e que não se sabia até que ponto me poderia fazer mal. E quando lhe contei, chorei. Senti-me rídicula, claro. Conhecíamo-nos há pouquissimo tempo e de repente estava eu ali, no quarto, em frente a ele, a chorar baba e ranho e a dizer uma série de coisas sem sentido que mal se ouviam. Ele abraçou-me com força, chamou-me pelo nome e disse-me com as mãos dele nas minhas: não vai acontecer nada. Apesar da menstruação se ter atrasado mesmo ali a roçar o meu 40º aniversário (situação que é bastante comum na minha vida haja ou não algum evento de cariz sexual), não houve danos colaterais. Tenho muito medo disso me acontecer um dia. E quanto mais me conheço, mais sei que as coisas de que tenho muito medo são aquelas que realmente desejo.
Acho que ele precisava de alguém que não tivesse medo do que ele é e do que ele trás. Eu tenho, mas custa-me muito virar as costas. A minha vida é, por uma parte, uma sucessão de episódios que fui obrigada a viver sem querer e por outra, uma sucessão de fantasias que nunca aconteceram porque eu nunca tive coragem. Também perguntei à medica se não estaria a fazer a menopausa e ela confirmou que não, que ainda "falta muito". Mais uma moeda, mais uma voltinha. Tenho saudades do R. Da forma simples como ele vivia. Da forma honesta como ele era. Nós, os desocupados, pensamos demais. E muitas vezes, ficamo-nos só pelo pensar. Talvez o mundo seja dos loucos. Dos que não pensam muito, como nós. Que inveja que eu tenho deles. Bom, façam sexo seguro sff e visitem o médico regularmente.