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O Sexo e a Periferia

Entre a Carrie Bradshaw e a Bridget Jones. Com muito menos glamour, é claro.

Algumas pessoas (as poucas com quem ainda vou mantendo algum tipo de relação) sugerem-me várias vezes terapia. Acho que se tornou um bocadinho moda sugerir terapia. Não sou contra, claro que não. Já recorri mais do que uma vez e foi obviamente a melhor decisão que tomei. No entanto, não me apetece voltar a sentar-me num sofá e resumir / recapitular a minha vida. Até porque isso é o que todos nós fazemos diariamente, uns mais do que outros. A terapia é de facto muito higiénica. Paga-se a alguém para nos ouvir debitar em voz alta uma série de coisas que normalmente não dizemos a ninguém e que ficam ali sepultadas até encontrarmos outro espaço para as armazenarmos. A parte invisivel da terapia - e necessária - é o luto e a dor. As coisas que doem têm de doer e é por isso que são insuportáveis. Em teoria, dizem, depois de doerem, nós crescemos e evoluímos. A escrita sempre foi uma das minhas terapias. Sempre me ajudou a deitar para fora coisas que me custam a assumir. A verbalizar. Tomei um banho e sentei-me na cama com o portátil.

 

Tenho uma bruta ressaca. Sim, o vinho também pode ser outra das soluções. Tive um jantar com amigas - o primeiro de 2025 - e ao contrário do que eu esperava foi extremamente terapêutico (apesar das dores de cabeça). Foram partilhadas coisas muito importantes e honestas (acho que foi um dos primeiros jantares em que conhecemos um pouco da vida uma das outras sem máscaras). Vidas muito diferentes cheias de desejos muito semelhantes. O normal em mim seria ter recusado ir ao jantar. Ando deprimida (como vocês sabem) e negativa. Em ebulição por dentro. Afastei-me de muita gente, reduzi as interacções sociais e restringi muitas pessoas nas minhas redes. A questão é que eu não sei se isso é efectivamente a solução porque conduzir-me-á a uma coisa que não me pode acontecer: ficar ainda mais sozinha. Então arrastei-me, apareci e valeu muito a pena porque trouxe ferramentas para casa comigo. 

 

Comecei a pensar porque é que me fechei tanto ao longo da vida? Porque provavelmente em alguns momentos determinantes da minha evolução as pessoas desfizeram-me em bocadinhos. Já contei alguns deles aqui. E depois de me sentir desfeita, fiz o que seria expectável, fechei-me para me proteger. O primeiro rapaz com quem tive relações sexuais dizer-me que não gostava de mim (só de fazer sexo). O meu primeiro namorado - com quem eu imaginava que iria viver um conto de fadas para sempre - dizer que não queria ficar comigo. Os ghostings, as traições, as atitudes de várias pessoas que nunca se justificaram. O último namorado e a relação de terror que vivi com ele. O estado delicado e intermitente em que vivi vários anos sem saber se continuaria aqui. As perguntas indiscretas das pessoas. Tudo o que me destruiu me fechou. Há poucas coisas que me tenham partido e aberto, mas existem. Lembro-me de duas pessoas, talvez três, que embora me tenham partido, obrigaram-me a desfazer alguns muros. Libertaram-me. E não só libertaram-me como também me permitiram ver-me de verdade. Quem eu escondo que sou. Agora que estou a ficar "maior" é importante para mim ser quem eu sou (porque acho e sinto que nunca o fui totalmente). Que nunca me vivi. Essas pessoas deram-me uma coisa importante: deram-me a oportunidade de perceber que sendo eu, eu também consigo e posso ser feliz (se calhar mais feliz até). Porque é que me é tão dificil acreditar nisso?

 

O R. foi - até agora - a pessoa mais diferente que eu já conheci. Em tudo. À medida que o fui conhecendo, na minha cabeça iam sendo criadas listas de prós e contras e o mais incrivel, assim bem incrivel, é que apesar dos contras serem bem mais do que os prós nessa tal lista que eu inventei, qualquer um dos prós era suficiente para fazer dele uma boa pessoa... mesmo assim, nada me impediu de responder - sempre que ele me perguntou se tinha saudades suas - que não. Olhem o que eu ganhei com isso. Valeu muito a pena guardá-lo só para mim. Então agora tem de doer porque é a parte em que tem de doer. Simples assim. 

 

Arranjei-lhe inúmeros defeitos. "É uma criança""O filho é tão pequenino", "Nunca terá dinheiro para viajar comigo", "Nem um televisor ele conseguiu comprar", "Só come porcarias", ""Deve andar à procura de uma mãezinha", Sabe lá o que é a vida". Se calhar sabe. E se calhar não é tão grave assim comer porcarias quando não tem tempo para cozinhar porque está demasiado ocupado a trabalhar para conseguir comprar o televisor. Se calhar é mesmo uma criança que cresceu sozinha e é natural que precise de amor como todos nós precisamos. Talvez o amor seja sobre dar. Talvez o amor que damos seja o que os outros podem levar para sempre com eles. Talvez seja isso que (n)os salva. Talvez seja isso que nos faz ficar.

 

Acho que agora vocês já percebem porque é que estou sozinha. Ou porque é que as minhas relações nunca foram muito saudáveis. Nunca tinha tomado consciência deste mecanismo, desta forma de funcionar, mesmo com a terapia toda que fiz. Foi ele. Foi o R. Por isso, se calhar, tinha mesmo que o conhecer. Tinha que passar por isto. Ver escancarada na minha cara, mesmo à frente dos meus olhos, a vida que eu queria estar a viver. Se calhar eu tinha que descobrir um vírus activo. Se calhar eu tinha mesmo que levar um puxão de orelhas para acordar. As coisas acabam todas muito rápido. Inclusive nós também. Se vou ter capacidade para fazer diferente? Não sei, não posso garantir. O que eu sei é que se queremos resultados diferentes, deveríamos actuar de formas diferentes (se as mesmas já não estiverem a funcionar e as minhas claramente não estão). Nos últimos anos, a vida empurrou-me bem para a beira do precipicio. Foi-me pondo desconfortável, dando e tirando e agora percebo porquê. Não há nada na minha vida de que eu me possa queixar, a não ser um vazio grande e esse vazio chama-se aquilo que eu quero. Talvez esteja bem na hora de eu começar a dizer às pessoas o que realmente sinto e o que realmente desejo. As pessoas não se medem em listas, muito menos o amor. Levem isso convosco. 

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