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O Sexo e a Periferia

Entre a Carrie Bradshaw e a Bridget Jones. Com muito menos glamour, é claro.

Fecho o ano - espero não estar a atirar foguetes antes da festa - em profunda serenidade. Tenho-me sentido completamente feliz a fazer o que faço (e olhem que existiram muitos momentos - alguns bastante recentes - em que coloquei isso em causa). Naturalmente, um projecto profissional também é feito de ciclos. Esta linha ligeiramente ascedente está a saber-me bem. Tive o ano passado o pior Dezembro económico de sempre. Foi dificil olhar para 2024 com boa cara. Até ao Verão as vendas não mexeram o esperado, mas do Verão para cá notou-se mais entusiasmo. Sinto que talvez tenhamos todos percebido que pior não ficava. Outubro - que assinala o fim da época alta e a entrada na época baixa - foi um segundo Setembro. O Verão demorou-se e talvez por isso esteja optimista em relação ao desfecho deste trimestre. Estou empolgada com o Natal. Não me lembro de estar assim tão empolgada há muito tempo... até pondero comprar  uma árvore de Natal. Estou nesta casa há 3 anos e nunca fiz uma.

 

Este entusiasmo todo dá para desconfiar, não dá? Diria que estou plena para utilizar um adjectivo da moda. Plena e em paz. 2024 implicou um grande jogo de cintura. Se houvesse um exercício para defini-lo, eu escolheria o de uma prancha. Foi duro sem ser terrível. Soube sempre ao segundo dia, depois dos abdominais, onde até rir custa!  Sinto que cresci imenso e que - ao contrário de outros momentos na minha vida - não ofereci resistência. Entreguei-me, o que pude, ao processo e isso já é alívio suficiente para estar de consciência tranquila em relação à minha prestação. O ano não foi mau e eu também não. Sinto também que as pessoas que conheci ou quem me cruzei trouxeram-me muita coisa boa. Talvez não aquilo que eu esperava, mas - quero acreditar que sim - aquilo que eu precisava. Sinto, no geral, que não conheci ninguém nefasto e que olhando para a soma das trocas que se deram, não saí delas mais pobre. Olho para trás e sinto-me - não queria dizer agradecida - mas vou arriscar, feliz. E esta felicidade só pode vir de mim porque nenhuma das circunstâncias exteriores se alterou. E esta é talvez a grande clarividência do momento. Continuo solteira, continuo no mesmo projecto, continuo na mesma cidade, continuo com as mesmas rotinas. Portanto, o que pode ter mudado fui eu.

 

Sinto-me também mais madura. Tenho tido esta sensação estranha de observar-me como se estivesse de fora. Esta filosofia do "é o que é e não tem necessariamente de ser mau" chega com a idade. E com a vida. Quando a vivemos, claro. Tive uma psicológa que se debatia muito comigo por causa dos cenários hipotéticos que eu criava na minha cabeça e que eram só poeira que me atrasava o caminho. 10 anos depois das sessões de terapia que tivemos, acho que começo a limpar um pouco a areia que me jogava para cima. Em termos concretos, a única coisa que mudou recentemente foi a minha alimentação. Não queria atribuir-lhe esse peso todo, mas realmente tenho-me sentido óptima, com menos altos e baixos espirituais. Acho que já consegui perder algum peso porque noto a barriga ligeiramente mais pequena. Recorri recentemente aos serviços de um osteopata. Esperei 6 meses para conseguir uma vaga, mas se alguém me ia trocer o pescoço, eu queria que fosse o melhor a trocer pescoços, pelo menos para garantir que a pessoa anda por cá mais uns anos. Foi fantástico. Não foi um show-off de barulhos estranhos como se vê nas redes sociais, mas o pós sessão foi muito bom. Sinto-me mais "elástica" e todos nós sabemos como a "elasticidade" é importante nesta vida, sobretudo pós 40. Foi revitalizante e curativo.

 

Moral da história: ninguém cresce sem sair da sua zona de conforto. Ninguém cresce sozinho. Ninguém cresce sem arriscar. Portanto, aquela listinha que eu fiz no inicio do ano para me obrigar todos os meses a experimentar uma coisa diferente e que acabei por abandonar mais tarde fez muito por mim. Abandonei-a quando percebi que o sentido de dever e obrigação já faziam parte de mim. Eu devia-me coisas diferentes e eu passei a fazê-las. Agora que já se tornou mais ou menos um hábito, não quero perdê-lo. Só este ano fiz duas viagens com "desconhecidos", ou melhor com grupos com quem nunca tinha viajado ou privado o suficiente para. Nunca na minha vida o teria feito, mas este ano fi-lo. Estou profundamente orgulhosa disso, mesmo que as viagens não tenham sido - in loco - um momentão. Estou a saboreá-las melhor agora do que quando as fiz. A nossa relação com o mundo e com os outros é a viagem mais importante.

 

Sempre associei as viagens mais a pessoas do que a lugares. Ainda não estou no nível de pensá-las sozinha. Talvez nunca esteja. Não sei. Consigo ir sozinha, sei que sim, mas prefiro a companhia. Sozinha estou eu - e os meus pensamentos - a maioria dos dias. Tinha um trauma gigante com viagens. Muito devido ao meu ex. Sempre que eu me propunha a sair da minha zona de conforto, ele aproveitava para tornar as coisas um bocadinho mais dificeis. Não fizemos uma viagem juntos que fosse boa. Foram todas memoráveis, mas por más razões. Ainda bem que decidi inconscientemente a arrumar isso este ano. Agora é que me apercebo de como as viagens me aterrorizavam e de como pequenos detalhes tomam conta de nós durante anos a fio. 

 

Fartei-me de ler, este ano, que o tema do meu signo seria a cura. Ria-me cada vez que lia isso. Achava - uma vez mais - que se tinham enganado, que já estava o suficientemente curada. Enganei-me. Acho que a sensação que tenho e que não sei explicar nem colocar em palavras é exactamente essa: cura. Talvez porque tenha encontrado verdade por onde andei e amor. O meu  ano poderia resumir-se a esta imagem: o álcool em contacto com a ferida. Ardeu imenso, mas agora faz sentido. 

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Hoje resolvi escrever-vos sobre uma amiga. Alguém que entrou na minha vida nos últimos tempos e que tal como eu está a atravessar um deserto. Juntas a travessia tem sido bastante mais divertida, embora não saibamos a sua distância concreta. Tem dias em que parece pelo menos mais leve. É uma sorte, não deixa de ser, encontrar alguém que está no mesmo timing do que nós. Parece mais fácil consegui-lo com amigos do que propriamente com amantes. Aproximámo-nos quando ela puxou um assunto que me era dificil e eu deitei tudo pra fora. Ela podia ter fugido. As pessoas têm o hábito de. Ela ficou. E assim, apoiadas nas nossas dores, a gente tem rido quando é possível. 

 

Os processos de regeneração são uma prova de resistência. A pessoa acha que vai sucumbir umas 300 vezes até perceber que afinal é mesmo assim: aguentar, calar e tentar não enlouquecer. Os processos de regeneração entram em cena depois dos lutos ou em simultâneo com os lutos. Não são fáceis, mas supõe-se ou espera-se que nos façam crescer. O que é que nós fazemos com aquilo que aprendemos é que me parece suspeito. Há dias em que duvido muito da aplicação de tanto conhecimento. Será que serve mesmo para alguma coisa? Será que contribui efectivamente para fazermos melhores escolhas? Para tomarmos melhores decisões? Para sabermos o que queremos? 

 

Essa minha amiga - que é a mesma a quem "A pessoa", a tal pessoa, enviou mensagens - divorciou-se há uns 3 anos embora o casamento já tivesse terminado há muito. Um casamento daqueles com direito a tudo. Desde então tem conhecido muita gente sobretudo através das redes sociais. Até se entende, o meio é pequeno, a informação circula rápido: há mais uma disponível no mercado. Acho até que existem homens que vêem nessas situações um certo oportunismo, "está carente, logo deve ser fácil". Não podiam estar mais errados. A carência está lá. Está sempre. Mas a dor também. Ninguém muito despedaçado vai saltar para outra relação de corpo inteiro. Falamos imenso sobre as pessoas que estamos a conhecer. Bom, que ela está a conhecer. Quanto a mim vocês já sabem... 

 

Outro dia, ela apercebeu-se de uma coisa que fazia com os amigos mais próximos. Mantém-nos sempre por perto, mas na realidade não avança a sério com nenhum. Sempre que os vê a fazerem progressos com outras pessoas, contra ataca. Pede satisfações, faz barulho, reclama e depois larga de novo. Ela sabe-o. E tem vergonha de. Tentei fazê-la perceber que a carência estava a desorganizá-la e que ela tinha de parar com isso. Não há pior coisa do que dar com uma mão e tirar com a outra. De repente, ela perguntou-me: "mas se eles gostam mesmo de mim porque é que eles não lutam, não ficam e não me dão provas?" Oh, mulher! ninguém fica onde sente que não é desejado. Regra básica. Todos sabemos muito bem quando nos querem e melhor ainda quando não. Acho muito perigoso quando alguém pensa assim, embora todos nós já tenhamos pensado assim. No fim de contas andamos todos despedaçados a embater uns nos outros à espera que alguém nos salve. 

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